sábado, abril 29, 2006

China vs. Vaticano

Este post já o queria ter escrito à mais tempo, mas só agora tive a oportunidade de o fazer... é sobre a história da Igreja Católica na China! Aviso a navegação que o post é muito longo, mas parece-me que é interessante. Foi feito com base num documento que encontrei na internet. Aqui vai... quem acabar está de parabéns!!

Breve introdução do cristianismo na China

- O cristianismo chega à china em 635, durante a dinastia Tang. Esta foi uma dinastia riquíssima plena pluralidade de culturas e religiões existentes;
- Em 845 os mosteiros budistas tinham uma riqueza considerável, facto que suscitou a inveja do imperador. Este facto gerou uma enorme perseguição a todas as religiões do budismo ao cristianismo;
- Apenas durante a dinastia Yuan (1206-1368) o cristianismo retomou alguma actividade, com o imperador mongol Gengis Kahn, cuja mulher era cristã;
- Este facto possibilitou a que muitos cristãos viessem evangelizar para a China. Os principais elementos da “comitiva” católica foram Nicoló e Matteo Polo, que mais tarde foram acompanhados por Marco Polo (imagem em baixo), que ao conquistar fama, tornou-se o homem de confiança do Imperador;


- Mais tarde, em 1294, chegou à China Giovanni da Montecorvino que acelerou sobremaneira o desenvolvimento da igreja na China. Foi ele o primeiro a construir uma igreja, tendo sido em 1307 nomeado arcebispo de Pequim;
- No entanto, este crescimento do cristianismo foi bloqueado pela dinastia Ming, que ao não ver com bons olhos os mongóis (?) considerou-os como estrangeiros. Assim, quando estes tomaram o poder começou uma reacção contra todos os estrangeiros, nos quais os missionários cristãos se incluíam;
- No século XVI chegaram à China os primeiros jesuítas. Em 1583 chegou Matteo Ricci, que para se tornar chinês junto dos chineses, viveu 21 anos no interior do país. O seu objectivo foi perceber a cultura chinesa, valorizando-a, assim como os seus valores e tradições. Este senhor foi o primeiro a interpretar os ritos ancetrais, que até então era considerados actos supersticiosos, como um simples e amoroso tributo aos pais e ascendentes defuntos, consequência da virtude filial ensinada aos chineses por Confusio. Mas poucos escutaram-no;
- Outro facto crítico na história do cristianismo na China passou entre 1842-1900. É durante este período que acontece a invasão da cultura do ópio, vendido pela companhia Britânica, que omitia os efeitos sobre os seus consumidores. A China tentou barrar essa venda, e por isso a Inglaterra declarou guerra. Derrotada, a China foi obrigada a assinar o primeiro dos chamados “Tratados Desiguais”, que deixava o país nas mãos das potências europeias. Depois da Inglaterra seguiram-se a França, Alemanha, Itália e Rússia. Todos os cristãos que tinham chegado à China por conta individual eram agora considerados estrangeiros iguais aos estrangeiros que dominavam. A missão dos cristãos era servir, não desfrutar do povo chinês, mas tendo em conta as circunstâncias, nesta altura estavam numa posição claramente fragilizada;
- Este facto originou o início da Guerra dos Boxers, em 1901. Os mais atingidos foram os estrangeiros em posição claramente mais fragilizada, e esses eram sem grandes dúvidas os missionários e os numerosos cristãos chineses. No entanto a revolta chinesa foi controlada pelos exércitos estrangeiros;
- Em 1922 foi nomeado pelo Papa Pio XI um delegado apostólico na China, que propositadamente, se manteve afastado das delegações estrangeiras. Em 1926 foram consagrados os primeiros 6 bispos chineses;
- No entanto a China foi invadida pelos japoneses, tendo formado o Estado de Manchukuo. Com a intenção de proteger os missionários dos japoneses, a igreja considerou o estado criado como um estado fantoche, nomeando um representante oficial. Infeliz decisão;
- Com o objectivo de reaproximar as relações com a China, a Igreja Católica autorizou o uso dos ritos. Em 1946 foram instituídos 20 arcebispados e 79 dioceses;
- Em 1947 dá-se o início da guerra civil entre os comunistas de Mao Tse.Tung e os nacionalistas de Chiang Kai-Shek. Tudo se alteraria.

A República Popular Chinesa e a Igreja Católica

- A 1 de Julho de 1949 a igreja condenava o comunismo e qualquer tipo de colaboração entre católicos e os comunistas. A 1 de Outubro do mesmo ano foi proclamada por Mao Tse-Tung a República Popular da China;
- Mao pretendia acabar com qualquer tipo de submissão em relação às potências estrangeiras. Mao no entanto buscou a integração com os católicos, mas segundo o princípio das 3 autonomias: financeira, administrativa e apostólica. A igreja não aceitou, começando assim alguma fricção entre ambas as partes;
- Em 1951, alguns bispos aceitam o princípio das 3 autonomias, mas sob a autoridade espiritual e religiosa do Papa. A igreja de Roma não aceita e condenou todos os que participarem deste movimento. Em 1952, a igreja reconhece formalmente Taiwan;
- Em 1957 é constituída a Associação Patriótica dos Católicos Chineses (APCC), e constitui uma igreja patriótica com bispos eleitos pelo povo e consagrados pelos bispos patrióticos, quebrando relações com o Vaticano;
- Apesar de tudo isto a igreja, através dos seus missionários, permaneceu na China, no entanto, a partir deste momento existem 2 igrejas: a que é guiada pela APCC (leia-se governo chinês) e a igreja clandestina formada por aqueles bispos, sacerdotes, religiosos e leigos que não aceitaram o rompimento com o Papa, sendo estes obrigados a sobreviver escondidos.

Período de abertura

- Nos anos 80, assistiu-se àquilo que parecia a abertura do governo chinês em relação a todas as religiões. Igrejas foram reabertas, e as que haviam sido destruídas foram reconstruídas. No entanto, todos os elementos da igreja clandestina que não se juntassem à APCC seriam presos;
- Este facto é reforçado pelo Documento 19, de 19 de Março de 1982. Este documento diz o seguinte: “devemos manter uma grande vigilância e observar atentamente as forças hostis provenientes do exterior que organizam comunidades dixia e outras organizações ilegais. Devemos esmagar com firmeza estas organizações, as quais, com a desculpa da religião, praticam espionagem destrutiva.”;
- A constituição pelo governo chinês da Conferência dos Bispos da Igreja Católica Chinesa em 1980, e os pedidos de oração por parte do Papa a todos os bispos do mundo para a “igreja perseguida da China”, deterioraram ainda as relações entre as partes.

As relações diplomáticas entre Pequim e a Santa Sé

- Para que as relações sejam restabelecidas, o governo chinês exige que o Vaticano aceite 2 condições: por um lado que rompa relações com Taiwan e reconheça a República Popular da Chinesa como única representante de toda a China, e por outro lado, que o Vaticano não utilize a religião para intervir nos assuntos internos da China;
- O primeiro ponto foi aceite. Taiwan é reconhecido por pouquíssimos países, nem mesmo a ONU. O Papa fez questão de realçar que esta atitude não é tomada como uma decisão política, mas sim pelos interesses da Igreja na China. O Papa desejou na altura que o povo de Taiwan entenda a conduta do Vaticano, e que foi esta foi para o bem da Igreja, e não como uma falta de consideração para com o povo de Taiwan;
- A segunda condição é mais difícil de satisfazer. O Papa é considerado não como um chefe espiritual, mas sim como o chefe político de um país estrangeiro. A questão fica assim muito simples, o governo chinês não aceita que um chefe de Estado viole a soberania nacional da China nos seus assuntos internos. E o que é isto de assuntos internos? As interpretações são diferentes. O Papa não entende que seja uma interferência para os assuntos internos chineses o facto de nomear os bispos que guiaram a sua Igreja na China. Para o governo chinês o mesmo não acontece, e pretende que seja a conferência dos Bispos Chineses a nomear os próprios Bispos, mas esta é chefiada pela Associação Patriótica, que por sua vez é um órgão do Governo. Segundo o Documento 19, a APCC tem como função: “ajudar o partido e ao governo a pôr em prática a sua política religiosa, a assistir as massas dos crentes na sua atenção ao patriotismo e ao socialismo. Todas as organizações religiosas patrióticas devem aceitar a guia o Partido e do Governo.
- O Vaticano neste momento aceita escolher cada novo Bispo de um leque de candidatos “agradáveis” às autoridades chinesas. Em compensação, a Igreja gostaria que também Pequim, quando empossasse os bispos da Igreja “patriótica”, pedisse a aceitação prévia de Roma;
- Em 2000, o governo Chinês nomeou 5 bispos chineses sem o consentimento do Papa. Muitos bispos, seminaristas e leigos católicos da própria igreja “oficial” recusaram-se a tomar parte da cerimónia;
- A fé professada por ambas as igrejas é exactamente igual. Assim, existe uma só Igreja dividida por questões políticas, e não por motivos teológicos.
- Em 2000 o Vaticano comete uma “gaff” incrível: no dia 1 de Outubro (dia da proclamação da RPC, por Mao Tse-Tung) o Papa proclamou a beatificação de 120 mártires chineses mortos durante a Guerra dos Boxers. Instalou-se novamente algum mal-estar, mas a Santa-Sé realçou que foi escolhido este dia por ser a festa de Santa Teresa do Menino Jesus, padroeira das Missões;
- Algumas viagens oficiais efectuadas à China, e um congresso para comemorar o aniversário dos 400 anos da chegada à China do jesuíta Matteo Ricci, voltaram a melhorar as relações. O Papa fez o seguinte discurso: em relação à questão dos ritos – “sinto profundo sofrimento pelos erros e limites do passado e sinto muito que eles tenham gerado em não poucas pessoas a impressão de uma falta de respeito e de estima da Igreja Católica para com o povo Chinês, induzindo-os a pensar que ela estivesse movida por sentimentos de hostilidade em relação aos chineses. Por tudo isso, peço perdão e compreensão a quantos se tenham sentido, de qualquer maneira, feridos por tais formas de acção dos cristãos (...). A Igreja Católica tem o vivo propósito de oferecer, mais uma vez, um humilde e desinteressado serviço para o bem dos católicos chineses e de todos os habitantes do país. A Sé Apostólica deseja a abertura de um espaço de diálogo com as autoridades da República Popular Chinesa, para superar as incompreensões de passado e trabalhar juntos para o bem do povo chinês e pela paz no mundo.”;
- Em 2002, foram publicados alguns documentos que referiam que seriam levadas a cabo algumas iniciativas para verificar a infiltração do Vaticano e dos grupos religiosos do exterior. Um dos documentos afirma que as autoridades de Anhui (província do parque industrial da BizVision) começaram a procurar, instruir, converter, explorar e controlar algumas figuras-chave da Igreja Católica clandestina desde que a China e Vaticano retomaram os colóquios em vista da normalização dos relacionamentos.



Para aqueles que não sabem não tenho tido qualquer problema em ir à missa... Tenho-o feito todos os fins-de-semana e nada me tem impedido de o fazer. Vou sempre à Igreja de St. Peters, que é parte da Igreja "oficial", não é clandestina. Já tenho tentado perceber onde posso encontrar os 'sobreviventes' da igreja que anda escondida, mas confesso que não tenho tido sucesso, e não me parece que venha a ter em breve... Há uns dias perguntei a um colega meu do trabalho, chinês, se a Igreja era muito perseguida na China. Ele, com toda a naturalidade, disse que não, e até fez um ar como quem pensava: "vocês ocidentais pensam que isto aqui na China é uma ditadura... pensam que é o Partido que toma conta desta coisa!". Do que é me é dado a ver aqui em Shanghai, quase que me apetece dizer que ele tem razão, tudo parece permitido na China, mas ao ler uma entrevista do bispo de Hong-Kong penso que se calhar o meu colega chinês anda iludido... Vejam o primeiro link que têm em baixo para ler a tal entrevista.

Alguns links com algumas notícias recentes:
http://www.agencia.ecclesia.pt/noticia.asp?noticiaid=31854

http://www.agencia.ecclesia.pt/noticia.asp?noticiaid=30471

http://www.pime.org.br/noticias2006/noticiaschina113.htm

http://www.nave.cv/cvtelecom/xmlthisnews.asp?notid=12042006093210187religiao&catid=religiao

PS - será que vou começar a ser perseguido por causa deste post?

4 Comments:

At 8:49 da manhã, Anonymous Anónimo said...

João,

Ainda não deu para ler tudo, mas estou a gostar bastante do blog [não sabia que já se conseguia aceder ao blogspot outra vez, no ano passado bloqueavam-me sempre...o GOBERNO deve estar à rasca de tradutores Português-Chinês].
Já consegui ler este último e gostei bastante...parabéns pela pesquisa!

Abraço, Gonçalo Frey-Ramos

 
At 12:10 da tarde, Blogger Mafi said...

Hum... comeca a olhar por cima do ombro agora... tem atencao aos telefonemas... as cartas e emails que enviais.. eles "andem" ai!!!

PS: o post esta óptimo!

 
At 8:38 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Confesso que venho aqui muitas vezes ao blogg, vejo o post e começo a ler... mas desisto a meio!
mas prometo que ainda o vou ler de fio a pavio num destes dias!
Beijinhos e vai dando mais noticias!
Mariana MD

 
At 10:31 da manhã, Blogger DM em Caracas said...

João,
Só hoje consegui ler o post inteiro.
É natural que os Chineses não achem que vivem numa Ditadura porque não sabem o que é uma Democracia. Não sabem que nos países com Liberdade não há questão nenhuma sobre a nomeação de Bispos pelo Papa e aprendem desde pequenos nas escolas que as religiões não passam de superstições (não só a Cristã, mas também as tradicionais na China como o Budismo, o Xintuísmo ou até o Islamismo, muito forte em certas zonas da China).
Espero que a semana do Trabalhador tenha sido gira!
Abraço

 

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